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Apresentação do fundo Maria de Lourdes Pintasilgo

ED (Entidade Detentora): Fundação Cuidar O Futuro – Centro de Documentação e de Publicações (FCF – CDP)
GA (Grupo de Arquivos): Arquivos Privados
SGA (Subgrupo de Arquivos): Arquivos Pessoais
F (Fundo): Maria de Lourdes Pintasilgo

Caracterização

O fundo Maria de Lourdes Pintasilgo reúne cerca de 50.000 documentos e 4.600 fotografias produzidos e acumulados ao longo da sua vida pessoal e profissional. Trata-se de documentação que possibilita a recuperação da trajectória de vida de Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004), focando muito satisfatoriamente os múltiplos acontecimentos ocorridos entre as datas do seu nascimento e morte.

O fundo é constituído por documentação produzida, reunida e acumulada por Maria de Lourdes Pintasilgo ao longo de toda a sua vida. Quatro aspectos ajudam à caracterização deste arquivo:

  • Primeiro, integra maioritariamente documentos textuais em suporte papel, em bom estado de conservação, com variadas tipologias e diversos formatos, sendo composto ainda por outras espécies documentais em múltiplos suportes, como sejam registos fotográficos e sonoros, filmes, vídeos, etc.);
  • Segundo, reúne documentação arrumada e classificada directamente pela produtora do fundo ou por pessoas que lhe eram muito próximas (a mãe, Amélia do Carmo Ruivo da Silva Matos Pintasilgo (1899-1982), e alguns membros do movimento Graal);
  • Terceiro, há bastante documentação que foi arrumada e classificada por secretárias particulares ou por pessoal administrativo que apoiou Pintasilgo no exercício das suas variadas funções. Em alguns conjuntos documentais podem ser identificadas práticas arquivísticas correntes na administração pública portuguesa (com regras específicas de segurança na classificação documental ou de registo da correspondência, por exemplo). Pelo que não há uma uniformidade nos critérios de arrumação e classificação das espécies documentais e fotográficas que compõem o fundo;
  • Quarto, e último aspecto, ao longo dos anos existiram intervenções posteriores à primeira arrumação e classificação dada à documentação, verificando-se alterações ou descontinuidades à ordem original atribuída aos documentos e às fotografias (o que justifica, por exemplo, encontrarem-se documentos fora dos respectivos processos). Esta particularidade ilustra que o arquivo era para a sua própria titular um arquivo corrente, cuja natureza do trabalho (sobretudo a produção dos seus escritos) exigia consultas frequentes aos documentos (mesmo os mais antigos).

Encontram-se documentados os contextos familiar e escolar onde Maria de Lourdes Pintasilgo se formou, designadamente: a frequência do Liceu D. Filipa de Lencastre (1945-1947), a sua filiação na Mocidade Portuguesa Feminina (MPF) e a época em que foi dirigente desta organização (1944-1953), os anos de estudo no Instituto Superior Técnico (IST) (1947-1953). Existem também registos sobre a sua actividade como quadro superior da Companhia União Fabril (CUF) (1954-1960). A documentação que reflecte os anos da infância, juventude e início da vida profissional de Pintasilgo não é numerosa e apresenta informações descontínuas.

Outro conjunto documental é o que cobre a sua intervenção eclesial, como militante da Juventude Universitária Católica Feminina (JUCF) (1951-1960) e da Pax Romana – Movimento Internacional de Estudantes Católicos (1950-1966), membro do movimento Graal (1958-2004), membro do (WELG) (1968-1972) e responsável pelos cursos de actualização do clero do patriarcado de Lisboa (1970-1973). São numerosos os registos que ilustram estas actividades, especialmente a participação na JUCF, na Pax Romana e no Graal, permitindo saber quais os temas que sucessivamente interessaram a Maria de Lourdes Pintasilgo, e como foram por ela trabalhados na esfera nacional e internacional, enquanto dirigente eclesial.

As espécies documentais e fotográficas respeitantes à intervenção política de Pintasilgo são as que existem em maior quantidade no fundo. Estão cobertos satisfatoriamente os anos de 1968-1974, como procuradora à Câmara Corporativa (1969-1974), colaboradora do Ministério das Corporações e Previdência Social (1970-1974), e membro da Delegação Portuguesa à Assembleia Geral (3.ª Comissão) da ONU (1971-1972). Aí é muito significativa a informação sobre a génese da política de promoção da situação da mulher pelo Estado português, em pleno período marcelista, e a centralidade do trabalho de Pintasilgo nessa demanda. Importante é também a documentação que ilustra os debates da época num fórum internacional como a ONU, em torno das questões da autodeterminação dos povos, da situação das mulheres e da juventude, e a respectiva posição de Portugal.

A documentação torna-se mais volumosa a partir do ano de 1974, revelando o desempenho das funções de secretária de Estado do Ministério dos Assuntos Sociais do I Governo Provisório (1974), ministra dos Assuntos Sociais dos II e III Governos Provisórios (1974-1975), membro do Conselho de Imprensa (1975), presidente da Comissão da Condição Feminina (1975) e embaixadora de Portugal junto da UNESCO (1975-1980). Destacam-se informações sobre o funcionamento do Conselho de Ministros durante o PREC, a preparação das eleições para a Assembleia Constituinte, a definição da política social do novo regime democrático, as comemorações do Ano Internacional da Mulher em 1975 ou a polémica questão do uso do português como língua de trabalho da UNESCO.

O exercício do cargo de primeira-ministra do V Governo Constitucional (1979-1980) constitui um dos conjuntos documentais mais importantes do fundo. Além de situações administrativas envolvendo empresas, autarquias e ministérios, encontram-se documentadas as medidas do Executivo, a relação entre o presidente da República e a primeira-ministra, as divergências no seio do governo, as relações diplomáticas de Portugal com a comunidade internacional. A correspondência dirigida à chefe do Executivo é também abundante. A preparação das eleições legislativas intercalares de 1979 e a ruptura que a Aliança Democrática instaura em relação à política do V Governo Constitucional, inclusivamente determinando, depois da formação do VI Governo, o afastamento de Maria de Lourdes Pintasilgo da função de embaixadora junto da UNESCO (e as reacções internacionais que o caso gera), têm grande expressividade no arquivo.

Outro conjunto documental de grandes dimensões é aquele que representa as funções desempenhadas por Pintasilgo como apoiante da candidatura de António Ramalho Eanes às eleições presidenciais de 1980, assessora do presidente da República (1981-1985), dinamizadora do Movimento para o Aprofundamento da Democracia (MAD) (1982-1985) e candidata às eleições presidenciais de 1985-1986. São significativos os registos sobre as eleições legislativas e presidenciais de 1980, a organização e as actividades do MAD, o lançamento da candidatura presidencial de Maria de Lourdes Pintasilgo e as actividades da sua campanha eleitoral.

Documentadas estão ainda as distinções que lhe foram concedidas. Os seus escritos produzidos entre 1950 e 2004 como conferencista, bem como as suas intervenções na grande imprensa através de inúmeras entrevistas, encontram-se também aqui reunidos. Permitindo identificar as principais temáticas da reflexão de Pintasilgo e a evolução do seu pensamento.

O fundo congrega ainda vastíssima documentação relativa às suas actividades como membro de várias organizações nacionais e internacionais, e no exercício de cargos de liderança dessas mesmas organizações, que todavia ainda não foi alvo de inventariação e tratamento técnico. Por inventariar, organizar e tratar encontram-se ainda os muitos numerosos documentos audiovisuais que integram o fundo e que registam várias das suas intervenções públicas, por exemplo como membro do InterAction Council (1983-2002), presidente da Comissão Independente População e Qualidade de Vida (1992-1997) ou conferencista.

Outra componente do fundo é a biblioteca de Maria de Lourdes Pintasilgo. Constituída por livros e publicações periódicas nacionais e estrangeiras, é muito variada e representativa do seu universo intelectual. As principais áreas temáticas da biblioteca são: a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia, a Educação, a Psicologia, as Artes, a Ciência Política, a Religião, a História e a Literatura. Até ao momento presente, a única intervenção possível sobre a biblioteca foi a reunião, nas instalações do CDP, de centenas de volumes que estavam dispersos por vários locais onde Pintasilgo havia residido.

Organização

Ainda em vida, a Engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo manifestou o desejo, e realizou esforços nesse sentido, de que a organização do seu arquivo contemplasse um projecto de informatização e digitalização integral da documentação, com vista à sua rápida abertura ao público. Estabeleceu ainda quais os conjuntos documentais que deveriam ser objecto de uma selecção e tratamento prioritários.

A organização do fundo Maria de Lourdes Pintasilgo colocou como primeira exigência a reunião de toda a documentação que o compõe, num processo que se iniciou em Maio de 2004 (sob orientação da própria Engenheira Maria de Lourdes até Julho desse ano) e terminou em Março de 2007. Há medida que a documentação era reunida foi atribuído um código numérico de identificação às unidades de instalação originais que compunham o arquivo e realizado um guia geral.

A morte inesperada da Engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo obrigou a uma reorientação dos critérios de organização do seu arquivo, que de arquivo corrente passou a arquivo histórico (fechado e sem a possibilidade de novas incorporações). A elaboração do projecto Memória na Internet de Maria de Lourdes Pintasilgo reflecte já essa reorientação para a organização daquele fundo.

Estabeleceu-se que a organização lógica do arquivo seria norteada pelo critério da funcionalidade. Isto é, pela identificação do elo entre os documentos e as actividades que lhe deram origem, de forma a garantir a representação do contexto e circunstâncias que justificaram a sua produção e acumulação. Determinou-se ainda que essas mesmas funções respeitariam a sequência cronológica do seu exercício, permitindo assim a reconstituição da trajectória de Maria de Lourdes Pintasilgo.

Procedeu-se depois à selecção das unidades de instalação originais que continham espécies documentais significativas de forma a ilustrar o percurso de Pintasilgo entre a sua infância e o ano de 1986. A escolha desta data limite para a documentação a disponibilizar resultou da prática historiográfica de produzir investigações até este ano (que no caso português assinala a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE)), sendo que os fenómenos ilustrados se encontram já historicamente consolidados. Apenas para algumas fotografias e para os escritos de Pintasilgo se entendeu prolongar essa baliza temporal até 2004, ano da sua morte.

Respeitando a arrumação original da documentação, realizou-se a sua transferência das unidades de instalação originais para novas unidades de arquivo (caixas acid-free) às quais foi atribuído um código de referência, garantindo-se o registo da correspondência com as antigas. Procedeu-se à limpeza, extracção das ferragens e carimbagem dos documentos (com identificação da sua entidade detentora), tendo sido cada peça devidamente acondicionada e designada com um código de referência.

As fotografias, estando originalmente soltas em gavetas e caixotes, foram limpas, separadas por tamanho, colocadas em envelopes de papel neutro com atribuição de um código de referência, e acondicionadas em caixas acid-free.

Descrição

Para garantir a descrição do fundo Maria de Lourdes Pintasilgo, de acordo com critérios universais de acesso, foram produzidos Instrumentos de Descrição Documental (IDD) específicos, a saber: o Registo de Autoridade do fundo, apresentado segundo o modelo ISAAR (CPF), o Plano de Classificação do fundo, o Quadro do Classificação da documentação a tratar no âmbito do projecto Memória na Internet de Maria de Lourdes Pintasilgo, e uma Base de Dados, para descrição das espécies documentais e fotográficas, que respeita as orientações da norma ISAD(G).

Sobre a Base de Dados, criada especificamente no âmbito do tratamento deste fundo, cumpre salientar que procurou garantir não apenas a sua robustez e a integridade dos dados nela contidos, como também a disponibilização da informação em linha e a sua capacidade de expansão. Optou-se pela sua criação em SQL Server, pela capacidade de colocação directa na Internet da Base de Dados e das respectivas imagens digitalizadas.

A Base de Dados gere diferentes níveis de descrição do arquivo, designadamente: Fundo, Secção, Subsecção, Série, Subsérie, Sub-subsérie e Peça. Saliente-se, contudo, que a unidade de descrição é de preferência a peça, isto é, o documento singular. É também a informação da descrição da peça que é apresentada nos resultados de pesquisa deste portal, tendo havido para esse efeito uma selecção dos campos que compõem a folha de recolha de dados.

Preservação

A vontade de dar cumprimento ao projecto estabelecido pela própria Engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo e a norma da preservação preventiva como política do CDP, conduziram à opção pela digitalização de modo garantir a célere disponibilização ao público de documentação deste arquivo.

Para execução do projecto de informatização e de digitalização da documentação, recorreu o CDP à colaboração do Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares (FMS) para a prestação de serviços técnicos especializados. Na prossecução de uma política de cooperação com instituições afins, a escolha daquela instituição deveu-se não só à história de colaboração entre as duas fundações, mas sobretudo ao reconhecimento do trabalho pioneiro na área da preservação digital em Portugal realizado pelo Arquivo & Biblioteca da FMS.

Recorreu-se ao sistema de gestão documental Fortis (Westbrook Technologies), que permite, por um lado, agrupar as diferentes imagens de um documento e, por outro lado, associar bases de dados textuais (em SQL Server) às imagens capturadas – permitindo inserir os elementos de descrição da respectiva peça, visualizando as respectivas imagens ao mesmo tempo. O sistema de gestão documental utilizado, ao permitir a exportação (ou importação) simplificada das imagens e dos registos, possibilitou também a criação de imagens digitalizadas em formato tif multi-página, associáveis à Base de Dados de descrição documental.

Deste modo, optou-se por proceder à digitalização a cores da documentação, tendo sido as operações realizadas com a resolução média de 300 dpi. Manteve-se a imagem matriz (resultado da primeira transferência de suporte, em que foi respeitada a dimensão original do documento), ao mesmo tempo que se produziram as cópias adequadas, incluindo os pdf destinados à colocação em linha. Em alguns casos, por exemplo para jornais de grande formato, foi necessário proceder ao tratamento das imagens e à sua montagem.

No tratamento das fotografias, garantiu-se a sua reprodução fotográfica (analógica) com posterior digitalização a partir dos negativos produzidos. Gerou-se, assim, uma nova matriz fotográfica, tanto mais relevante quanto a esmagadora maioria das espécies fotográficas do fundo Maria de Lourdes Pintasilgo existem apenas em prova em papel, sem correspondente negativo. As fotografias foram digitalizadas a resoluções que oscilaram, consoante as características técnicas, entre 300 e 600 dpi; guardando-se a respectiva matriz digital e procedendo-se a intervenções de tratamento das imagens sempre que necessário, como por exemplo o redimensionamento do respectivo ficheiro.

Acesso

No âmbito do projecto Memória na Internet de Maria de Lourdes Pintasilgo foram organizados, descritos e digitalizados cerca de 12.777 documentos e 400 fotografias, sendo agora disponibilizadas em linha 10.202 espécies documentais e 349 espécies fotográficas. Privilegiou-se a apresentação da documentação mais antiga, uma vez que coloca menos problemas de acesso, ainda que nalguns casos tenha sido mais difícil de abordar tecnicamente.

Saliente-se que a documentação disponibilizada no portal do CDP é apenas uma parte seleccionada destes conjuntos documentais. Outros documentos do fundo Maria de Lourdes Pintasilgo só se encontram acessíveis nas instalações do CDP e outros há que permanecem reservados, pela natureza do seu conteúdo, não podendo para já ser tornados públicos.

Tratando-se de um arquivo privado de uma titular de um dos mais altos cargos públicos do País, o de primeira-ministra, o arquivo da Engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo possui no entanto um inequívoco “interesse público”, pelo que a sua administração se torna singular na permanente conciliação entre os direitos individuais à propriedade privada e à privacidade e os direitos colectivos de acesso à informação.

Ao tornar esse arquivo acessível na Internet, e ao disponibilizá-lo a todos os interessados, o Centro de Documentação e de Publicações da Fundação Cuidar O Futuro realiza um trabalho ainda raro em Portugal, esperando contribuir e sensibilizar para a responsabilização colectiva sobre o património arquivístico de titulares de cargos públicos no encontro de soluções para a sua preservação e acessibilidade.

Paula Borges Santos
Coordenadora do Centro de
Documentação e de Publicações