Feminismo e Movimentos de Mulheres

por Maria Conceição Nogueira

Maria de Lourdes Pintasilgo não se auto-denominava feminista, apesar de nunca ter negado essa pertença. Frequentemente referia-se às feministas, tendo bem presente a sua diversidade devida a contextos geográficos e culturais, como desenvolvendo atitudes por vezes exageradas mas compreensíveis e justificáveis face ao seu projecto social. Referia mesmo que o «feminismo é uma palavra velha com má reputação», usando-a apenas por comodidade de análise.

Preferia falar de mobilização (movimentos) de mulheres, conseguida através de práticas de conscientização. Movimentos de mulheres que lutassem pela emancipação, não só das mulheres, mas que estivessem presentes na construção de um mundo igual e livre para todas as pessoas, vitimas de uma sociedade dominada pela violência e pelo interesse económico desregrado. As mulheres «devem insurgir-se contra a globalização selvagem e derrotar a hegemonia económica global, que só tem trazido maiores desigualdades».

O que quer que se diga sobre a posição de Maria de Lourdes Pintasilgo acerca do feminismo e os movimentos das mulheres, implica ter bem presente que se trata de uma mulher que muito cedo (afirma que desde a infância) nunca aceitou que as mulheres fossem “menores” que os homens ou que não tivessem igual acesso a todas as esferas, inclusive ao poder e à liderança ao mais alto nível. Foi engenheira numa época em que esta formação não era típica para mulheres e foi a primeira e única primeira-ministra portuguesa. A sua vida e as suas posições face a este domínio são claras e evidentes. O seu pensamento foi sempre consistente, apesar do seu vocabulário ir mudando ao longo dos anos, adaptando-se ao pensamento sociológico contemporâneo.

Apesar da palavra “feminismo” ser uma palavra que não lhe agradava particularmente, podem “ler-se” em Maria de Lourdes Pintasilgo ideias muito próximas do denominado feminismo cultural. O feminismo cultural centra-se na mudança das mulheres como grupo, na construção da sua identidade sociocultural. Esta perspectiva feminista propõe-se analisar as mulheres partindo da sua peculiaridade, do seu ponto de vista especial e específico: «É necessário que cada mulher realize a sua vocação de mulher assim como que todas as mulheres sejam uma presença e convite aos valores autenticamente femininos» . Trata-se de analisar os aspectos que fazem parte da cultura das mulheres, observados a partir dos seus pontos de vista, e não da perspectiva masculina. Nesta vertente do feminismo podemos encontrar autoras como Nancy Chodorow ou Carol Gilligan (a esta ultima Maria de Lourdes refere-se com alguma frequência) e diferentes posicionamentos teórico-epistemológicos que levaram a uma linha de investigação baseada na “ética do cuidado”. Dito de outra forma, que conduziram a um enfoque ético-psicológico da diferença, contrastando as qualidades masculinas da dominância, da violência e da destruição da natureza, com as qualidades femininas para o cuidado, a sensibilidade e a empatia.

Para algumas feministas a diferença entre homens e mulheres é essencialmente biológica, enquanto que, para outras, é mais um produto sócio-cultural. Da leitura dos documentos de Maria de Lourdes Pintasilgo parece ser esta ultima perspectiva a sua preferida, apesar de não se poder afirmar isso de forma peremptória. A ausência de elementos nos seus escritos não permite uma clarificação muito nítida a este respeito.

Quanto à utilização do poder, Maria de Lourdes Pintasilgo escreve e posiciona-se claramente sobre a possibilidade de construção de uma sociedade na qual as mulheres tenham poder para tornar o mundo num local melhor para todos: «(…) a presença das mulheres no poder deve traduzir-se numa melhoria das condições de vida dos seres humanos» . Este posicionamento é também muito característico do feminismo cultural.

Da leitura dos seus textos é possível considerar-se Maria de Lourdes Pintasilgo como o expoente máximo desta corrente no nosso país. Afirmou as suas ideias numa época em que a perspectiva de feminismo cultural estava ainda pouco clarificada e “nomeada” (mesmo fora de Portugal) e continuou a sua proclamação. Podemos identificar algumas citações de Pintasilgo que ilustram esta leitura sobre o seu pensamento:
- «A política do mundo exige as perspectivas que a própria atitude da cultura feminina abarca (…). Algumas mulheres começaram a perceber a importância da sua presença pela razão da diferença (…). A cultura feminina da preocupação e da cooperação e do suporte mutuo é necessária para estabelecer pontes entre grupos étnicos, para acelerar a formação das nações»
-
«(…) as mulheres não abdicando da sua identidade própria não cederão a lobbies, a padrões estabelecidos» ;
- «A mulher que se diz no singular refere-se a um destino que é sempre plural e nesse plural reconhece-se cada caso singular» .

Para terminar, duas frases de Maria de Lourdes Pintassilgo, que tendo anos de diferença entre elas, a primeira de 1991 e a segunda de 2004, ilustram claramente, relativamente a este tema, o seu pensamento e a sua prática de vida: «No alvorecer do século XXI o movimento das mulheres continua a ser (pode tornar-se) o mais internacional de todos os movimentos sociais». Porque apesar de muitas mudanças existem novas barreiras que «(…) tornam a opressão cada vez mais forte, porque cada vez mais mimética, cada vez mais subalterna, porque cada vez só aparentemente mais livre». Por isso é urgente continuar a acreditar que «(…) as mulheres podem mudar o curso das coisas» .